6.20.2008

Lúcia

Esse aqui é o primeiro pedaço da grande história da Lúcia, a detetive demônio que eu criei. Para aprovação de todos vocês, só um teste:


Eu estava parada. Logo ali adiante. Você não me viu. Ninguém me viu. Acho que é assim que funciona quando queremos e ficamos invisíveis.
Era o inferno. Aquele, astral. Mas eu não ligava, a garrafa estava vazia e minha cabeça cheia. E assim foi chegando o tempo em que tudo estava vazio, meu cérebro, meu corpo, meu coração. A gente as vezes perde tudo que tem.
Mas quem ligava? Eu estava invisível e ao contrário de muitos anti-heróis amados pelo público, eu amava todo mundo, eu amava muita gente. E era por isso mesmo que estava sozinha. Por amar demais e me afogar demais nisso.
Acendi o cigarro, mentolado para disfarçar de mim mesma que eu estava me matando. Por aquela porra estava acabando comigo e com a minha asma. Estava entupida, vazando problemas de saúde, mas continuava a acender aquela merda, como uma engrenagem defeituosa, pensante e defeituosa.
Mas a Lúcia sempre foi assim, um pouco burra. E ela também gosta de falar de si mesma na terceira pessoa de vez em quando.
Hoje o sangue pulsava com mais fervor, eu queria algo excitante. Lúcia sente cheiro de medo.
Sorri, inebriada, não me contive e mordi os lábios, o prazer que me causava esse cheiro, a boca ofegante, a fumacinha branca de frio e desespero de um qualquer correndo ao vislumbrar o brilho dos meus olhos.
Ajeitei o chapéu, puxei os suspensórios e fui batendo meus saltos ritmadamente. Ele podia ouvir, pouco me importava, não ia fugir de qualquer jeito. Ia se apavorar mais ouvindo as botas baterem nesse chãozinho escroto de pedras portuguesas, naquele ritmo de morte.
Apaguei o cigarro com o salto, e como não ele conhecia bem o local, foi parar em uma rua estreita, cheia de gente, coitado, pensou que gente era proteção. Mal sabia ele que todos me deviam alguma coisa, de sexo até as vidas.
Continuei a andar, dessa vez mais rápido, entrei em um restaurante e sai pelos fundos, bem a frente, logo onde o mesmo estaria, se achando seguro.
Sorri, segurei a arma, estava quente com eu. Ele chegou ofegante e gargalhou. Essa é a melhor parte, deixar que as pessoas morram felizes. Por isso acho que sou bem piedosa, elas não sofrem, sempre as deixo sorrir.
Assim que sua gargalhada terminou, deslizei por seu rosto e sua boca minhas mãos, unhas feitas, vermelho sangue, desci mais, passei pelo peito e ele achando que era uma vagabunda qualquer querendo um pagante, se virou, o que me deu tempo suficiente de disparar três tiros a queima roupa.
Por fim ainda beijei a boca do corpo semi inerte, dei prazer àquele fiapo de vida.
Sim, eu sou boa, piedosa até.

6.05.2008

Eu acho que...

eu não gosto muito dessa idéia de blog, acho uma coisa meio masturbação mental, sabe, solitária?
Eu escrevo aqui e não sei quem está lendo, não sei quantas pessoas dão antenção a isso aqui e não tenho nem a disciplina necessária para prosseguir com o blog. Essa deve ser a terceira vez que tento ter um, quase desisti desse aqui, mas resolvi dar mais uma chance, não ao blog, a mim mesma. Eu acho que dessa vez eu consigo.

Descobri que posso ter algum vínculo com esse blog, nem que seja o nome, que muito me agrada e que eu escolhi com carinho, e por isso seguirei em frente.

Eu também descobri que não sei usar vírgulas num texto, mas esse é um assunto mais complicado.

Espero que essa animação dure, e que vocês (???) que lêem isso aqui se apeguem ao blog tanto quanto eu espero me apegar.

4.02.2008

Necessidade

_Cansei dessa vida! – pensou ela enquanto lavava a louça suja do almoço. Cansei mesmo, pra mim já chega. – E com um movimento rápido jogou três pratos no chão com ódio.
Renato que estava vendo televisão placidamente na sala chegou logo, vermelho, desconcertado.
_Caralho mulher, você está maluca? O que é isso?
_ Eu não to maluca Renato, não me chama de maluca! Eu cansei, quero ir embora, cansei dessa vida merda que nós levamos, que eu levo.
_E por causa disso você resolveu quebrar a louça da casa? Você sabe quanto…
_Quanto esta merda te custou? Sei! Claro que sei! Você paga por ela! Eu sei que você paga por tudo nessa casa!
_Você enlouqueceu? É isso? Ta de TPM?
_Pára de me chamar de maluca, seu merda! Eu não sou maluca, e também não vou ficar aqui me vendendo pra você! Você acha o quê? Que eu preciso de você pra continuar viva, só porque você paga as contas e me sustenta? Pois bem, eu não preciso! Eu sou uma escritora! E não é porque eu não ganho um salário estável que eu não consigo me sustentar!
_É, você tem razão, eu tenho visto como você se sustenta bem com seu “salário”.
_Cala a boca! Eu não sou uma prostituta! Não sou um brinquedo que você paga pra manter próximo! Você acha que eu não sei? Você me mostrando pros seus amigos em festas: “Sabe aquela gostosa ali? Então, é aquela que escreveu naquela coletânea de contos, aquela badalada, que todo mundo fala, pois é, mora comigo, eu pago tudo e ela fode que é uma beleza”. Eu sei, eu sei que você me apresenta assim pelas costas, a agradecida, a que te chupa pra agradecer as contas que você pagou! Eu não sou uma prostituta, você não pode pagar pra me ter.
_Quer saber? Cansei de você! Você é maluca, louca, cheia de altos e baixos, mas que merda! Eu sustento essa casa, você, seus luxos de escritorazinha e você ainda vem falar que te trato como uma qualquer? Você não faz mais do que obrigação me chupando todo dia, é o mínimo que uma esposa inútil como você pode fazer pra me tornar mais feliz.
_Vai embora Renato! Cala a boca! Ou melhor, eu vou embora. Você acha que eu não consigo me sustentar? Eu consigo, meus textos são bons pra cacete, e eu tenho talento, logo eu arranjo um emprego escrevendo pra um jornal foda aí e você nunca mais vai ouvir falar meu nome.
_Eu vou sair. Não agüento mais você assim nessa TPM maldita. Fica aí arruma essa porra dessa cozinha e eu vejo se volto hoje.
E com um estrondo saiu porta afora.
Deixou que ela ficasse sozinha, e o pior, saiu com a última palavra, como se ele fosse o certo, ela ainda gritou um “você é um corno!”, mas ele não ouviu. Já tinha saído. E última palavra dada pelas costas desse jeito não vale.
Ficou puta. Abriu a geladeira e pegou a garrafa de vinho que estava pela metade e esvaziou em menos de 15 minutos.
_Merda! Merda! Merda! – ela só pensava isso enquanto bebia aos goles e sentia o álcool amaciar sua carne e entorpecer sua mente.
Começou a planejar. Pegou sua agenda de telefones e marcou as pessoas que poderiam lhe dar emprego. Se o Renato achou que ela continuaria ali, se vendendo dessa forma humilhante, ele estava enganado. Ela sairia de casa, arrumaria sua vida e cuspiria na cara dele todas as coisas que ele havia feito ela engolir nos últimos anos, inclusive sua própria porra, que ela era obrigada a provar noite após noite.
Ela faria isso, sairia de casa, arrumaria um emprego naquele jornal e moraria numa quitinete, nos primeiros meses seria difícil, mas sua mãe ajudaria um pouco nas contas. Sua mãe? É claro que não. Que idéia mais estapafúrdia! Sua mãe nunca lhe daria um centavo furado, ainda mais sabendo que ela abandonou a única “segurança” que ela tinha, que era o Renato.
Mas não haveria problema algum. Ela conseguiria se virar de qualquer jeito, ela era decidida, forte, talentosa e pessoas assim vencem na vida.
Abriu outra garrafa e enquanto bebia foi traçando seus planos de sucesso. Em pouco mais de cinco meses ela já teria grana suficiente pra ter até um lugar próprio!


Enquanto isso Renato tomava seu uísque caro e pensava o que levar dessa vez para acalmá-la. Jóias? Não, ela não gosta muito. Uma viagem? Não, ela gosta de escrever em casa nessa época do ano. Livros? É. Uma boa idéia. Ela queria uma coleção nova, e ele havia prometido dar.
O pior de tudo aquilo era que aquela vaca maluca era boa. Ela escrevia bem, fodia bem, chupava bem e ainda por cima era bonita. Ela o enlouquecia, mas valia a pena, era um troféu muito valioso.
A tarde foi passando assim, rápida demais pra ela e devagar demais pra ele e a despeito da sensação de tempo pessoal de ambos a noite chegou e com ela chegou Renato em casa.
Caminhou devagar, cuidadoso, não queria nenhum prato voando em sua direção, passou pela sala e quando chegou à cozinha deu um sorriso satisfeito ao ver que ela estava limpa e arrumada, isso só podia significar que ela havia se acalmado.
Entrou no quarto manso e entregou a ela os livros, ela estava pálida, sempre ficava assim depois de uma briga, mas mesmo assim aceitou o presente com a resignação mais sincera que lhe era possível.


Ela havia contado tudo para as paredes, e por mais que se exasperasse, elas não lhe davam ouvidos, ninguém a ajudava com uma solução. A tarde foi passando, voando rapidamente e com ela o efeito do álcool, sem o álcool ela só tinha a realidade. E a realidade era que ela precisava daquele filho da puta. Ela não tinha dinheiro e não conseguiria se sustentar na rua nem por uma semana.
Isso foi mais do que uma facada, mais do que um soco na sua auto estima. Ela não conseguiria sozinha. Fato. Sem ter pra onde correr arrumou a cozinha e ficou no quarto esperando Renato chegar.
Ela usava meias calças, cinta liga, um coque que deixava alguns fios pendentes na nuca e um batom carmim. Estava de salto também. Acendeu um cigarro e com a outra mão bebeu do vinho. Não demorou muito pra que ele chegasse. Tinha dinheiro na mão e também aquela cara asquerosa de comprador de carne humana.
Ela sorriu forçosamente e lhe enlaçou num abraço. Ele lhe deu tapinhas na bunda e lhe chamou de “gostosa” próximo ao ouvido. Tirou-lhe o sutiã e deixou o dinheiro sobre o criado-mudo. Pegou-lhe pelas pernas.
Foi rápido. Ela acordou logo desse devaneio e com um suspiro viu que não estava vestida daquela forma. Não era esse tipo de prostituta. Renato se sentou e pediu algo parecido com desculpas, ela sorriu e assentiu com a cabeça, ele lhe afagou os cabelos e ela já sabia o que viria.
Ele abriu as calças e ela foi se ajeitando na posição preferida dele, só pôde ouvir um “boa menina” antes de se afogar em lágrimas e no resto. Não importava o cenário, se vender era uma questão de necessidade.

3.12.2008

Cogumelos na Janela

_ Vamos continuar tentando, meu bem.
_ Vamos sim. Não é?
_ Claro.
O céu rosáceo. As gotas negras da chuva que ao caírem sobre o rosto pareciam o lápis de olho manchado, derretido de tanto chorar – quantos olhos deveria ter para abrigar tantas manchas? – brincadeiras zunindo ao pé do ouvido, que descalço, roçava os dedos na terra suja. Aqueles lá não eram eles, muito doces, derretendo na chuva.
_ Não consigo mais escrever. Acho que perdi meu talento.
_ Mas minha querida, você nunca o teve.
Silêncio histérico de alto-falante. Zumbidos adocicados daquela festinha nonsense que deram ontem à tarde. O tiro cortando o ar à lá Matrix.
_ Você é mesmo um idiota.
_ E você é frígida!
Merda jogada no ventilador, se espalhando pra todo lado, todo mundo vendo. Merda! Os podres assim expostos dão na gente uma vontade louca de rir descontroladamente, um pânico crescente. Ele tinha que ser assim tão duro?
_ Vem, vamos fazer sexo.
_ Não quero, sou frígida.
_ É mesmo, mas quem tem que gozar sou eu, não você.
Filho da puta. Soquei sua cara com força. Vi o sangue na minha mão. Ele sorriu, sangrando por fora e satisfeito por dentro.
_ Sempre me deu tesão te ver assim irritada.
Queria me acordar do torpor, dizia. Antes com raiva do que com sentimento nenhum. Eu só queria amá-lo com desespero. Sorver sua boca, tomar sua saliva como se fosse água na ressaca: necessária.
_ Toma, cheira.
_ Não quero usar essa porra, já te disse. Eu não sou assim.
_ Ah é, além de não gozar, você também não usa nada que te deixe alta. Putz, você é um pé no saco.
_ Ah vai se fuder, seu viadinho.
Me acordar assim dessa forma escrota. Cogumelos nascendo na nossa janela. Eu tomando seu sangue no meu copo de vinho. Nosso pacto inquebrável. Minha dor, seu prazer. Seu prazer, meu amor.
_ Eu vou ter que te matar.
_ Por que?
_ Pra provar que você é um sonho ou um pesadelo, sei lá.
_ Se você quiser eu vou embora. Saio por essa porta e levo meus livros comigo.
_ Se você for, os livros ficam. Eles pelos menos me fizeram gozar.
Se emputeceu. Eu não sou frígida. Você que é ruim de cama. Me deu um tapa na cara com as costas da mão. Saiu, bateu a porta. Não voltou nunca mais. Os livros ficaram.

3.07.2008

Azul

Tua cor desbotada manchou meu lençol, manchou minhas roupas e nas minhas coxas deixou marca indelével de mãos.
No quarto vazio dos nossos planos só me restaram teu cheiro, tua tinta e tua acidez tantas vezes destilada como veneno em discussões pós-sexo.
Brincadeira pequena de espírito pequeno, razões mesquinhas para continuar com tudo. Segurança fútil baseada em um castelinho no ar, flutuando com cordas que mãos em desespero tentam agarrar.
Tua cor desbotada manchou minha garganta. Acordo ressecada por dentro, cuspindo teu azul que grudou em mim naquele beijo cheio de rancor.
Queria eu que tua cor sumisse e que somente tua memória desbotada ficasse. Mas não consigo, e como se não bastasse minha comida tem teu gosto. Adorável, odiável, simplesmente você. Deixou marcas em fogo e salgou meus alimentos com teu suor de desejo.
Caçei-te tanto, com arco, flecha, espada e escudo, acabei derrotada ficando, caça ferida e amedrontada, acuada na cama, banhada de lágrimas e ardente de raiva.
Tua cor desbotada manchou meu caminho, e mesmo depois da porta batida e de nossos sonhos sem vida, eu procurei uma saída.
Mesmo depois de meses sem ouvir teus passos, meu amor, tua cor maldita e desbotada ficou em mim, me sufocando.